São Sebastião
Publicado em livro, o ensaio 'Losing His Religion: San Sebastian As A Contemporary Gay Martyr' apresenta o santo como um ícone LGBT. O autor, o pesquisador norte-americano Richard Kaye, PhD pela Universidade de Princeton e professor no Hunter College de Nova York, apresenta-o como um soldado "muito amado" pelos imperadores romanos de seu período, que o queriam sempre por perto.
O autor insinua que o santo poderia ter sido, mais do que guarda pessoal, amante dos imperadores.
A iconografia sacra, sobretudo a partir do Renascimento, passou a representá-lo como um jovem atlético — faz sentido, posto que ele era soldado e foi executado com apenas 30 anos. E, no imaginário, mostrado com as flechadas em seu corpo, retratado sempre praticamente nu.
Kaye analisa que essa iconografia cristã "sustenta um ideal homoerótico", com o personagem "em êxtase", tal e qual um símbolo da "natureza supostamente sadomasoquista do erotismo masculino".
Na contemporaneidade, ativistas LGBT também viram no santo a representação de um ideal de luta e persistência — ele era um cristão que não teve medo de se assumir, assim como homossexuais hoje muitas vezes precisam ter coragem para se assumir.
O pesquisador Kaye chega a firmar que os "gays de hoje em dia viram imediatamente em São Sebastião tanto o anúncio cálido do desejo sexual como um exemplo de gay no armário que foi torturado".
Para Maerki, é importante ainda pontuar que São Sebastião "é o santo masculino mais retratado na história da arte". "E a imagem clássica de seu corpo, seminu, resplandecendo beleza, se tornou símbolo. Historiadores e especialistas como Kaye veem nesse imaginário o corpo sendo retratado com um erotismo, uma espécie de propaganda do desejo homossexual", analisa.
Segundo ele, os relatos de que Sebastião mantinha "uma espécie de vínculo emocional com seus oficiais" e textos que o apresentam como "muito amado pelos imperadores" reforçam essa interpretação.
"Talvez tenha sido a junção de tudo isso que fez com que a comunidade LGBT acabasse o escolhendo como uma espécie de mártir gay. E uma analogia é possível: se São Sebastião foi defensor dos que eram perseguidos, os cristãos perseguidos daquele tempo, que eram torturados e mortos, ele também desponta na nossa sociedade como um símbolo de luta por outra causa", compara Maerki. "Sabemos que a comunidade LGBT muitas vezes é perseguida. Ele surge como um símbolo de defesa, de proteção."
Padre Mengali lembra que a imagem do santo martirizado por flechas é uma construção posterior. "Diferente do que as pinturas mostram, São Sebastião não foi morto por flechas. Ele foi resgatado por Santa Irene e espancado até a morte a mando do imperador Diocleciano, que jogou seu corpo ferido nos esgotos de Roma", enfatiza. "A imagem de seu corpo seminu perfurado por flechas e aguardando o martírio foi estabelecida pelos pintores do Renascimento. A propagação dessa imagem despertou a imaginação de vários artistas, fazendo de São Sebastião o santo masculino mais retratado na história da arte."
Para o biógrafo, contudo, a coragem que ele teve ao assumir frente ao imperador sua posição como cristão é o que permite um paralelo com os homossexuais de hoje em dia, que muitas vezes também enfrentam dificuldades semelhantes para declarar sua orientação sexual.
Ele percebe, contudo, um curioso ponto consagrado pelo imaginário sacro. "Por que São Sebastião, tendo sido também soldado e guerreiro, não possui a mesma simbologia de virilidade e machismo que o Santo do Dragão?", pergunta ele.
"Olhando para a imagem de Sebastião, vemos uma imagem de fragilidade, passividade; um homem forte, mas indefeso, amarrado a uma árvore e cheio de flechas", explica Mengali. "São Sebastião é aquele que ganha as pessoas com a palavra, aquele que convence com o diálogo, a conversa, não convence com a luta, como São Jorge. São Sebastião, se observarmos suas biografias antigas, tem poder de persuasão, para animar cristãos indecisos e converter pagãos. Nesses tempos de negação da fé e de valores espirituais, religiosos, humanos e sociais, São Sebastião torna-se um grande modelo de ajuda para todos nós."
by www.bbc.com/portuguese/geral-60048420